Hipotireoidismo

Sumário

1. O Que é Hipotiroidismo?

É a condição em que a glândula Tireoide produz pouco hormônio tireoidiano (HT).

Os HT são formados a partir de moléculas de Iodo, que estão presentes no sal e em todos os alimentos que o contém. A Tireoide capta este Iodo, associando-o a proteínas, e forma os HT: Tri-iodotiroxina (T3) e Tetra-iodotiroxina (T4), que tem várias funções no corpo:

  • Manutenção do metabolismo basal, que se relaciona com o gasto energético para as funções celulares do corpo
  • Manutenção da temperatura
  • Efeitos relacionados com a adrenalina – aumento da Frequência cardíaca, Respiratória, força da contração cardíaca, sudorese, peristaltismo (evacuação), dentre outros.

No Hipotireoidismo, então, há uma falta de HT, gerando um sinais e sintomas devido a queda do metabolismo e prejuízo em várias atividades biológicas, que veremos a seguir.

2. O que causa o Hipotireoidismo?

Hipotireoidismo Primário

  • Doença da própria Tireoide.
  • Tireoidite de Hashimoto
  • Deficiência de Iodo
  • Procedimentos Cervicais: Tireoidectomias, Radiodoterapia, Radioterapia
  • Drogas: Amiodarona, contraste iodado, medicações anti-tireoidianas (tapazol, propiltiouracil), Lítio, Interferon gama, Inibidores da Tirosino-quinase.
  • Hipotireoidismo congênito (malformações da tireoide)

Hipotireoidismo Secundário (Central)

  • Doenças da Hipófise ou do Hipotálamo, por destruição ou compressão das células que produzem o TSH, afetando a produção de HT.
  • Adenoma de hipófise (tumor benigno da região, não é raro, porém, na maioria das vezes não comprime as células da hipófise que produzem o TSH)
  • Cirurgia, Radioterapia na hipófise
  • Traumas na região
  • Hipofisite
  • Medicações inibem o TSH (dopamina, dobutamina, glicocorticoides em dose alta, octreotide)

Estima-se que 1 a 3,5% da população têm Hipotireoidismo. A maioria das causas é decorrente de problemas da própria tireoide, principalmente a doença de Hashimoto. Esta é uma doença autoimune, que se dá quando os anticorpos do sistema imune da pessoa começa a se voltar contra a própria tireoide. Acontece inicialmente uma tireoidite (inflamação na tireoide), com destruição do tecido da tireoidiano, e possível liberação de moléculas de HT – podendo gerar hipertireoidismo (excesso de HT). Porém, na grande maioria das vezes, esta fase não ocorre ou não é perceptível e já passa direto para a fase de hipotireoidismo, quando a destruição da glândula é importante. Os anticorpos da doença são dosáveis em grande parte dos pacientes, porém, em uma outra porcentagem podem estar ausentes.

3. Quais são os sinais e sintomas?

Os mais prevalentes são:  intolerância ao frio, perda de memória, constipação, inchaço aos redor dos olhos, voz mais rouca e em tom mais grave.

Gerais Astenia, fadiga, cansaço, sonolência, perda do apetite.
Extremidades Pele fria, seca, cabelos finos secos e frágeis; inchaço na face edema facial; madarose (perda de cílios ou sobrancelhas); Macroglossia (aumento da língua); palidez; inchaço dos membros inferiores (mixedema);
Baixo metabolismo Ganho de peso modesto, aumento da retenção hídrica; Lenta cicatrização de feridas
Cardiovasculares Redução da Frequência e da Força Cardíaca; Hipertensão diastólica, Insuficiência Cardíaca (em casos mais graves). Há aumento do risco cardiovascular também.
Respiratório Redução da Frequência Respiratória, falta de ar, apneia do sono.
Sistema Nervoso Depressão, perda de memória, déficit de atenção e concentração, sonolência durante o dia.
Gastro-intestinais Prisão de ventre, retardo do esvaziamento gástrico (sensação de empachamento) e trânsito intestinal; distensão abdominal.
Geniturinário Atraso e irregularidade da menstruação, aumento ou redução do fluxo menstrual, infertilidade, redução da libido.

Como se pode ver, a maioria desses sintomas não são típicos somente do hipotireoidismo, mas sim de várias outras doenças físicas (problemas cardíacos, enfisema, obesidade) e psicossomáticas (depressão, transtorno de ansiedade, Síndrome Burnout). Não há grande sensibilidade ou especificidade nestes sintomas para diagnóstico do Hipotireoidismo, necessitando sempre dos exames laboratoriais para isto.

Existe uma forma mais grave de hipotireoidismo que se chama Coma Mixedematoso. É decorrente de intenso estado de hipotireoidismo, por muito tempo. Será descrita posteriormente.

No Hipotireoidismo Central, os sintomas são muito mais leves do que no Primário, e, não raro, ausentes, devido a produção fisiológica de HT autônoma da própria Tireoide (10-15% da produção), independente do estímulo do TSH.

4. Diagnóstico e exames laboratoriais

A tireoide produz os hormônios tireoidianos (HT), que são o T3 e T4, em resposta ao estímulo do TSH. Este é um hormônio produzido pela glândula Hipófise, que se encontra bem no centro do cérebro. Quando os HT atingem um nível excessivo, há um mecanismo de feedback negativo contra a hipófise, inibindo a produção de TSH, a fim de reduzir a produção dos HT. Isto ocorre para que sempre estejam em níveis adequados no organismo, nem em excesso e nem em falta.

A maioria dos HT (>99%) circulam ligados a proteínas que os transportam, por razões fisiológicas de solubilidade. Assim, o T4 total = T4 livre + T4 ligado a proteínas (que são várias). Estas podem elevar ou reduzir por muitos fatores (estrógenos, testosterona, doenças, várias medicações entre várias outras condições normais ou patológicas), e com isso alterar o total dos HT. Porém, a fração livre sempre permanece, e é aquela que é ativa, que atua nos tecidos, sendo muito mais estável.

5. Hipotireoidismo Clínico Primário

5.1 T4L (T4 livre)

É o Hormônio Tireoidiano (HT) em sua fração livre , o exame que mais utilizamos para avaliação da produção de HT. Mais do que o T4 total e do que o T3 acima referido, seja na forma total ou na forma livre. Isto por conta do motivo já mencionado acima, a respeito das frequentes alterações de proteínas ligadoras a estes hormônios.

                 Para avaliação da função tireoidiana e da possibilidade de hipotireoidismo, não avaliamos : T3 livre, T4 total e nem T3 total. Estes exames encontram outra função em outras patologias, que cabem ao entendimento do Endocrinologista.

Assim, no Hipotireoidismo, o T4L estará reduzido. O Valor de Referência pode variar conforme o laboratório, mas geralmente se situa entre 0,7 a 1,8 ng/dL.

5.2 TSH

É o hormônio que estimula a produção dos HT, ou seja, do T4L. Portanto, como no hipotireoidismo o T4L está reduzido, por um problema local da tireoide, o TSH sempre estará elevado, como maneira compensatória, para tentar aumentar a produção, apesar de não conseguir.

               O valor de referência varia entre os laboratórios, mas costuma a variar conforme a idade e a possibilidade de gestação.

  • Adultos jovens : 0,4 a 4,5 mU/L
  • Gestantes         : 0,4 a 4,0 mU/L
  • 65 – 75 anos     : 0,4 a 6,0 mU/L
  • > 75 anos          : 0,4 a 10,0 mU/L

               O TSH é um hormônio que pode ter grandes variações fisiológicas em um mesmo indivíduo saudável, ainda que fora do valor de referência. Por este motivo, geralmente necessitamos de dois exames para confirmar o diagnóstico de hipotireoidismo.

6. Hipotireoidismo Clínico Central

Nesta condição, como o problema se encontra na hipófise, o TSH estará baixo ou inapropriadamente normal, diminuindo o estímulo para a produção de HT. Os níveis de T4L podem estar reduzidos ou no limite inferior.

Observações que interferem nos exames:  a Biotina é um composto presente em vários polivitamínicos de cuidado com cabelos e pele, e pode alterar estes exames laboratoriais, pois interfere com um reagente do exame, podendo vir falsos negativos. Por isto, é recomendado sempre cessar a medicação por 2 a 3 dias antes (geralmente, o alerta vem informado pelo laboratório, antes da coleta). No dia do exame também, caso o paciente esteja em uso de Levotiroxina (o hormônio tireoidiano), é importante tomar a medicação após a coleta, pois a dose pode elevar o T4L por algumas horas no começo do dia, confundindo a intepretação do exame.

Deve-se, também, evitar dosar os exames de tireoide em períodos de internação ou sobre estresse de doenças transitórias, como infecções, cirurgias, traumas, pois alteram momentaneamente a função tireoidiana, sem significar doença própria da tireoide.

 Para o diagnóstico e tratamento do hipotireoidismo clínico, então, é necessário de exames laboratoriais da função tireoidiana, não havendo necessidade de ultrassom ou de qualquer outro exame. O Ultrassom poderá ser solicitado quando houver alterações no exame físico da tireoide, ou quando houver hipotireoidismo subclínico.

7. Hipotireoidismo Subclínico

É um tipo de hipotireoidismo que se verifica nos exames laboratoriais  e não pela clínica – apesar de o nome subentender que é algo subclínico. Isto é, pode ou não haver sintomas clínicos, sendo a maioria dos pacientes é assintomática. Muitas vezes também, os sintomas que parecem de hipotireoidismo podem ser de outros fatores, não tendo melhora com a reposição hormonal.

Assim, é definido por TSH elevado, mas com T4L normal. Apresenta alta prevalência: 5 a 10% da população geral, mais do que o Hipotireoidismo franco.

Pode ser o início de um hipotireoidismo clínico, ou uma anormalidade eventual, que se normaliza em um segundo exame. Também pode nunca evoluir para o hipotireoidismo clínico. Assim, veremos qual seria a conduta nestes casos mais duvidosos ou imprecisos.

8. Quando solicitar os exames de função tireoidiana?

Frequentemente são solicitados de rotina, mas não há consenso sobre o rastreamento do hipotireoidismo em pessoas sem sintomas. As sociedades diferem a respeito da idade de início para rastreamento: acima de 35, 50 ou 60 anos. 2

Recomenda-se dosar também os exames em pessoas com sintomas do hipotireoidismo e também naquelas com maior fator de risco para o seu desenvolvimento: mulheres pos menopausa, gestantes, portadores de doenças autoimunes (Diabetes tipo 1, Vitiligo, Lúpus, Artrite Reumatóide etc.), Histórico Familiar de Hipotireoidismo, Histórico pessoal de procedimentos cervicais (cirurgias, radioterapia, radiodo), anormalidades no exame físico ou no ultrassom de tireoide (bócio, nódulos).

9. Tratamento

É feito com a reposição do Hormônio Tireoidiano, a Levotiroxina (LT4). Os nomes comerciais: Levoid, Euthyrox, Puran, Syntrhoid. É a maneira mais fácil de se manejar o hipotireoidismo; é bem disponível nas farmácias e barato. Deve ser tomado em jejum (por pelo menos 4 horas), com água, idealmente 30 a 60 min antes de se alimentar. Este cuidado é devido a absorção da medicação, que pode ser afetada por alimentos, bebidas, outras medicações. Caso a medicação seja esquecida no horário correto, é melhor tomar, do que deixar de tomar no dia.

A dose geralmente é de 1,0 a 1,8 mcg/kg/dia, mas não é uma regra, e varia muito da idade e da situação do paciente, podendo ser menor ou maior conforme alguns exemplos abaixo:

Idade: para crianças e adolescentes a dose é maior por Kg de peso. Para idosos é menor.

Reserva de tireoide: para aqueles submetidos a Tireoidectomia total, a dose é plena, enquanto para aqueles a Tireoidectomia parcial, a dose pode ser bem menor ou nem haver necessidade. Em alguns casos de tireoidite de Hashimoto, a Tireoide ainda funciona e, em outros, a tireoide foi completamente destruída, necessitando de plena reposição.

Distúrbios de absorção: (gastrite atrófica, intestino curto, bariátricas etc) a dose pode ser mais do que a 1,8 mcg/kg/dia.

E várias outras condições medicações que podem interferir para mais ou para menos na dose.

Quando o paciente é idoso ou cardiopata, iniciamos com uma dose menor e progressivamente aumentamos até ajuste dos exames laboratoriais.

O alvo do tratamento do hipotireoidismo é manter o TSH e T4L dentro dos valores de referência, considerando a diferença entre as idades e as gestantes. No hipotireoidismo central, manteremos o T4L dentro do valor de referência, já que o TSH se manterá reduzido. A dose poderá mudar conforme a mudança de peso, gravidez e doenças intercorrentes.

Caso haja desejo de gravidez em mulheres férteis, isto sempre deve ser conversado com o médico antes de se engravidar, pois a terapia com Levotiroxina deve ser mais intensa durante o período de planejamento e de gravidez.

10. E o Hipotireoidismo Subclínico, é necessário tratar?

Apesar de ser bem frequente na população geral, somente 2 a 5% destes casos evoluem para hipotireoidismo clínico, durante toda a sua vida. Alguns fatores estão associados a maior risco para essa evolução para hipotireoidismo franco: TSH acima de 10 um/L, Anticorpos anti tireoidianos positivos (são o Anti-TPO e o Anti Tg), Ultrassom com achados característicos de tireoidite ou bócio (aumento do volume tireoidiano), Histórico Familiar de Tireoidite de Hashimoto, Procedimentos cervicais prévios (Radiodo, lobectomia), Histórico Pessoal de doenças autoimunes.

Portanto, quando houver algum destes fatores (sobretudo os três primeiros), ou houver gestação, pode-se optar por tratar. Naqueles pacientes com hipotireoidismo subclínico que não apresentam estes fatores de riscos, mas têm sintomas importantes, pode ser tentado um teste de terapia com Levotiroxina por 3 a 6 meses.

11. Existe outro tratamento para o Hipotireoidismo, além da Levotiroxina?

Sim, a associação de T4 e T3, que pode ser tentada quando a administração isolada de LT4 não melhora os sintomas, o que pode ocorrer em 10% dos casos.  Alguns autores consideram que seja devido a ação nos tecidos que somente o T3 tem e o ritmo circadiano da Tireoide normal. Faz-se um teste por 3 meses, e caso não melhore, deve ser retirado.

Ainda não é muito utilizado no Brasil, por ser caro e não padronizado. Há muito risco durante a formulação da droga, haja vista que o T3 é o hormônio tireoidiano ativo – com ação pelo menos 10 vezes maior do que o T4. A dose é muito pequena e qualquer micrograma a mais pode ser muito prejudicial ao paciente, já que a substância é muito potente. Além disso, diferente do T4, o organismo não apresenta muitos mecanismos de defesa contra a dose em excesso de T3. Portanto, o risco de a pessoa ter uma crise tireotóxica (hipertireoidismo) é maior.

 A Sociedade de Endocrinologia do Brasil ainda não recomenda o uso rotineiro desta fórmula. Até deve-se tomar cuidado, pois pode fazer parte de uma medicina ilegal, que se utiliza de medicações com um cem número de compostos para o emagrecimento, porém, sem nenhuma indicação de reposição. Isto é prejudicial ao organismo.

12. Coma mixedematoso

Como já dito anteriormente, é a forma mais grave do hipotireoidismo, que ocorre quando a pessoa fica sem o Hormônio Tireoidiano por muito tempo. Tem mortalidade elevada se não tratada adequadamente, em até 50% dos casos. Mais frequente em mulheres, idosos e nos meses de inverno. Não raro os pacientes nem sabiam que apresentavam hipotireoidismo anteriormente, pois é gradativo e a pessoa perde algumas capacidades cognitivas, impedindo de buscar auxílio. Geralmente está associada a um evento precipitante, como infecção, exposição ao frio, infarto, AVC, traumas, cirurgias ou alguns tipos de medicações.

O diagnóstico se faz basicamente pela clínica de hipotermia e alteração do nível de consciência, além do evento precipitante. Outros sintomas que ajudam ao médico a reconhecer: bradicardia (frequência cardíaca mais lenta), Bradipneia (frequência respiratória mais lenta), hipoglicemias ( dextro < 70), hiponatremia (sódio baixo). Já se inicia o tratamento mesmo sem a confirmação laboratorial, dada a urgência e a demora para sair resultados de exames.

O tratamento é a reposição de LT4 em doses mais altas (fase de ataque), seguida da fase de manutenção. É realizado também suporte com internação em leito intensivo, monitorização, proteção das vias respiratórias , se necessário, hidratação, correção dos distúrbios do sódio e potássio, antibiótico (caso infecção), aquecimento corporal e reposição de corticoide também.

13. Referências Bibliográficas

  1. Sales, P. Halpern, A. Et al. Fisiologia dos Hormônios Tireoidianos e Interpretação de Resultados de Provas de Função Tireoidiana . In: O Essencial em endocrinologia. Cap 56. 2016
  2. Brenta, G. Vaisman, M. Et al. Clinical practice guidelines for the management of hypothyroidism. Arq Bras Endocrinol Metab. 2013
  3. Eligar, V. Taylor, P N. Et al. Tyroxine replacement: a clinical endocrinologist`s viewpoint. Annals of Clinical Biochemistry 2016.
  4. Vilar, L. Diagnóstico e Tratamento do Hipotireoidismo. In:  Endocrinologia Clínica. P 1160-1205.